domingo, 24 de março de 2013

Amor de 1910


Ouvir o burbúrio da chuva
E segurar sua mão no escuro
Assim mesmo, por cima da luva
Sob as palavras em apuro

Brincar de criança, pique-esconde, pique-pega
Entre as ideias de uma época escandalosa
Fingir ouvir o que a sociedade prega
Só para ser um pouco mais zelosa

Beija, foge, briga, explode
Menina inconstante, flor de marfim
Anastásia Maria e Aboim

Talvez seja melhor assim...
Escapando de nós lentamente...
Você longe de mim...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma carta que há muito guardo

Rio de Janeiro, 05 de Maio de 1992

Querido Leitor,

Um dia conheci uma mulher que vivia falando da chuva. Seja porquê ela tentava me cativar com a simplicidade de suas palavras ou porquê simplesmente chovia muito em sua vida.
A mulher, Leitor, jogava poesias inteiras ao vento, e eu, como um falho admirador das palavras – um daqueles bem patéticos, que escrevem cartas (como essa) e guardam embaixo da cama , tentava ao máximo e sem sucesso captar aquelas palavras de puro ouro e sentimento que a mulher transbordava em minha vida. Sabedoria tão modesta que não me permitia dar tempo de pegar papel e caneta. 
Me perdi no tempo, mas sei que em Setembro tive o prazer de beijá-la. Provei enfim daquele mel que me fascinara de tantas formas diferentes: dos olhos ao céu da boca, verso e prosa despertaram desde as entranhas do meu ser (até comecei a escrever-lhe cartas como aquelas que estavam de baixo de minha cama!). Dormi daquela tarde em diante. Deixei a menina me levar em seus mundos Buarques, Drummonds e Velosos. E pra quem dormiu há apenas umas semanas, nunca tinha me sentido tão acordado. 
Admito, as bobas canções de amor também brotaram em minha mente... Afinal, a menina às vezes as escutava. Já sabia as palavras que minha amada usou para me conquistar. E conversávamos. Trocávamos discos não-queridos, jogávamos flores da janela, celebrávamos nossa juventude com um beijo; e a cada beijo, o mel era compartilhado com doçura, quase pecaminosamente. Era lindo, Leitor.
De repente, a moça parou de falar na chuva. Senti falta daquilo porque virei um admirador perito de seus versos e expressões de criança  o revirar dos olhos castanhos, o ruborizar de seu rosto de quando ela terminava de falar e eu colocava os braços ao seu redor  que vinham acompanhados de cada gota translúcida de verdade nunca prometida. O mundo caía ao redor de minha pequena mulher Colombina...
Era Janeiro quando decidimos nos entregar ao matrimônio. Mas, por favor, não se engane pensando que eu não tinha medo! Eu, como humano 24 horas por dia, me curvava às sombras modernas de problemas ainda não resolvidos, deixados pra trás, ignorados com um sorriso, e depois me arrependia de meus atos; pois sempre pensava que tinha algo de errado comigo e com o mundo. E minha Colombina me prometia não ignorar o que eu ignorava, para depois eu não remoer os erros cometidos. E esse foi seu primeiro voto. Admito que chorei como minha Colombina quando este foi dito. Acho que é porque o faço muitas vezes.
Deve estar se perguntando, Leitor, se sou eu o Pierrot ou o Arlequim. Lhe respondo que sou poeta. Aprendi enfim a tirar as cartas debaixo de minha cama. Nem vai acreditar se lhe disser que as li em meu casamento!
Sim, Leitor, eu sou Pierrot. Aposto que deve dar muita importancia para isso. Importe-se com minha Colombina, que me ensinou a falar da chuva e das mil gotas que as formam. Saiba também que agora ela fala bastante dos raios de sol e que esse é meu novo desafio.

Com amor, 
Um Escritor Amado(r).